Aprendendo a cantar afinado em grupo

Aprendendo a cantar afinado em grupo

Por Patanga Cordeiro

 

The eternal newness of life

There is no end to our realisation; there is no end to our manifestation. There is always something new to achieve or become. Those who do not live the life of the heart are like broken records. They keep playing the same ignorance-tune over and over. But if we are seekers, every day we have to make a new record, sing a new song, discover a new melody. Those in my boat who are consciously aspiring are singing a new song every day.

Sri Chinmoy, Ten Divine Secrets, Agni Press, 1987

 

Estou escrevendo especialmente para aprendermos a cantar em conjunto durante as meditações do Centro Sri Chinmoy. Até hoje, eu fui o pior cantor que já apareceu no Centro, então se eu consegui aprender a cantar afinado, qualquer um consegue.

Para esse programa, sugiro 5 minutos de prática por dia durante uma única semana. Em uma única semana você já estará conseguindo cantar afinado, e portanto liberto de inseguranças quando ao seu canto, bem como libertando os colegas do seu grupo de canto da sua desarmonia ao cantar desafinado. Para os que estão ainda desafinados, a sua voz afinada será um exemplo a ser seguido, encurtando a estrada.

 

O que é cantar afinado?

Num grupo, cantar afinado é quando a sua voz não cria uma tensão com as outras – quando a sua voz meio que “desaparece” em meio as outras vozes, mesmo se estiver cantando num volume razoável. Isso acontece quando a vibração que você produz é igual à vibração dos outros. Essa vibração é o tom. Algumas pessoas acham mais fácil igualar o tom com outras vozes, outras acham mais fácil igualar com instrumentos como o harmonium. O ouvido de cada um foi treinado de forma diferente, e por isso há essa diferença.

 

Mito número um: minha voz não é boa, e por isso não consigo cantar afinado

A voz não faz diferença – cantar afinado é um treinamento do seu ouvido apenas. Você só precisa aprender a ouvir (e o que ouvir) e então cantará afinado independentemente da sua habilidade vocal.

Mito número dois: eu falo grave, então canto grave - voz cantada x voz falada

Outra confusão comum é comparar a voz falada e a voz cantada. Se você está acostumado a falar usando um tom grave, não quer dizer que será mais difícil cantar as notas agudas ou vice-versa. Para falar usamos um alcance muito mais limitado que o canto, que é bem mais amplo. Pode até acontecer o contrário - alguém que fala grave tem facilidade para cantar notas agudas, por exemplo.

 

Exercício prático

Pegue um instumento, como o harmonium, teclado, aplicativo de celular, etcf, ou peça para alguém cantar uma nota só. Aí você tenta igualar essa nota. Provavelmente vai começar errado, mas testando e fazendo o seu tom subir ou descer, numa certa hora você irá se encaixar no tom, e verá que a tensão some. Para mim, é como pegar uma onda – você está no nível do mar se debatendo, mas quando consegue, a onda meio que o eleva e leva você junto.

Como exercitar: repita o exercício que descrevi, agora com vários tons, mais altos e mais baixos. Você também pode fazer a “escadinha” – usar o harmonium ou a voz alheia de forma ascendente ou descendente, e ajustar a sua voz com o outro som com cada mudança.  Faça cinco minutos todos os dias, durante uma semana

Dica: não faça força com a garganta – deixe que o trabalho maior fique no abdomem, peito e boca.

Resultado: Com o passar dos dias, você verá que levará uma fração de segundo entre você começar a cantar uma nota e conseguir mudar o tom para que a sua voz se afine com a nota tocada no instrumento. Com o passar de mais tempo, será automático – você ouve a nota e canta igual na primeira tentativa.

 

Alcance da voz

Se você tentar fazer o exercício anterior com tons cada vez mais altos ou baixos, verá que num certo ponto a sua voz meio que não quer funcionar – você tem que dar um jeitinho, uma apertada na garganta para sair o som – e a sua voz fica diferente. Essa é a voz gutural (grave) ou falsete (aguda). Quando você começa a cantar, provavelmente vai precisar usar ela bastante pois, durante a fala, nos acostumamos a usar apenas uma faixa limitada de tons. Quando cantamos, usamos uma gama maior de tons, tanto mais graves quando mais agudos. Isso quer dizer que quando começamos a cantar estamos “enferrujados”.

Para superar isso, use bastante a sua voz e se esforce para ir além do confortável. Com o passar dos meses você descobrirá que consegue cantar bem mais agudo e bem mais grave do que achava que conseguia. É que nem o alongamento das pernas. Se você praticar com frequência, o corpo responde e você faz progresso. Se não praticar, vai piorando com o passar dos anos.

 

Voz masculina e voz feminina

As vozes masculina e feminina, no canto em uníssono (que é a única forma que fazemos no Centro), usam as mesmas notas, mas numa oitava diferente. É como se fosse uma EXATAMENTE o dobro da outra. Ou seja, quando o masculino for acompanhar a voz feminina, deve pensar em cantar “na metade do tom”. Quando o feminino for acompanhar a condução da voz masculina, deve pensar em cantar “no dobro do tom.”

Uma coisa muito comum em quem não está acostumado a cantar afinado é não se esforçar o suficiente para alcançar o tom feminino/masculino e ficar “no meio do caminho”. Por exemplo, se uma voz feminina canta no tom que, ao invés de ser o dobro do masculino, seja apenas uma vez e meio, essa é a pior situação possível. Os outros não conseguirão se afinar, pois a sua voz estará camuflando o tom real com um tom que não é o certo, mas não está muito errado também. Os outros ouvidos terão muita dificuldade em discernir qual o tom certo – se é o seu ou de quem lidera o canto.

Outro erro comum é pensar que você deve seguir as vozes iguais as suas, independentemente do tom do condutor da canção. (feminino/masculino). Por exemplo, se o condutor é feminino, você deve igualar-se à voz do condutor (se você for masculino, claro que fará o ajuste de “metade do tom”). Ou seja, se outras vozes masculinas estiverem desafinadas com o condutor feminino, não preste atenção nelas e afine-se com a voz do condutor. No exemplo inverso, a voz feminina terá sempre que cantar no dobro do tom do condutor masculino, independentemente do tom que as outras vozes femininas façam. Assim as próprias vozes ao seu redor poderão descobrir que estavam erradas e usar a sua voz (já afinada) como referência. Assim, cada um cumpre o seu papel individual para uma unicidade em conjunto.

 

Cantar afinado x voz bonita

Uma voz bonita é afinada, mas uma voz feia não é necessariamente desafinada. Há vários fatores que compõe a voz, tanto espiritual quanto tecnicamente. O cantar afinado que estamos falando aqui é independente – é você desenvolver o seu ouvido para aprender a igualar a frequência da sua voz com a voz de quem conduz o canto.

 

Para o condutor: como saber em que tom cantar

A partitura é o instrumento que preserva a música, assim como a escrita é o meio que preserva as falas. Se você cantar sem nunca usar a partitura (é aquela frase: “eu sempre cantei assim”), com o tempo acontece o efeito “telefone sem fio” a cada mês ou cada ano você acaba mudando um pouquinho a música até o ponto onde não consegue mais reconhecê-la.

A partitura é aonde você pode voltar sempre e se basear para manter o seu canto em dia e para auxiliar o canto daqueles que estão cantando sob a sua liderança.

Com o tempo, você vai decorando as notas e em qual tom começar e terminar em cada música. Por exemplo, você saberá (com uma pequena margem de erro) onde começar Jiban Debata, My Lord Beloved Supreme e outras. Uma começa mais aguda, a outra mais grave. Nâo só você fica livre de dúvidas, mas seus colegas terão um exemplo a seguir. Também, o Guru escreveu diversas músicas – lentas e rápidas, graves e agudas – e ao se atentar para isso você estará dando aos colegas que você lidera no canto a oportunidade de cantar as músicas tais como foram compostas, ao invés de como fica fácil para você (que pode ser difícil para os outros). E, é claro, para algumas canções você terá de se esforçar bastante – auto-transcendência é um dos pilares para o nosso progresso espiritual.

É como na corrida – você corre no plano, na subida, na descida, em terreno irregular, mais rápido, mais devagar, mais longe, mais perto, mais vezes na semana, etc. E cada uma dessas variações irá contribuir de alguma forma para a sua habilidade como um melhor corredor – com os benefícios de saúde correspondentes.

Como aprender músicas novas

Há diversas formas possíveis, mas vou deixar aqui a que penso ser mais universal forma de memorização. Pegue a partitura e a gravação. Repita diversas vezes apenas a primeira linha. Tente então repetir sem olhar no papel e sem ouvir a gravação. Volte para a gravação e partitura quantas vezes for preciso até que consiga cantar essa linha de cor. Então repita com as demais linhas da canção. Depois que decorar todas individualmente, tente cantar a música inteira, sem olhar na partitura ou gravação. Se esquecer qual linha cantar, olhe e repita o processo. Mais tarde durante o seu dia ou no dia seguinte, repita o processo. Repita em dias subsequentes por quantas vezes mais for necessário até ter decorado a música de forma que mesmo se não a cantar por alguns dias, ainda a saberá de cor.

 

Singing and spirituality

Next to real spirituality is music, soulful songs; and after that comes poetry. Poetry is also very close to spirituality, but when it is a matter of setting up an order, first comes singing or playing on an instrument and then comes poetry. If we sing soulful songs — not rock and roll and so forth — then we are really adding to our aspiration. We cannot meditate twenty-four hours day, or even sixteen hours or eight hours; it is impossible for ordinary human beings like us. But if we are asked to sing, even if we are very bad singers, without difficulty we can sing for three or four hours a day. Even if you have very little talent in music, if you spend just fifteen minutes or ten minutes or even five minutes a day learning my songs, it will really help you in your spiritual life. But if you have no talent at all, then you can spend your time in meditation and selfless service. There are few unfortunate ones who cannot sing; but God, the Supreme, will utilise them in other ways, so they don’t have to worry. But if you have even a little talent, then I would be very happy if you would practise and exercise your talent and learn a few of my songs. If you can sing one song soulfully every day, it will definitely help you in your spiritual life. From time to time I will ask you to sing. It gives me great joy to hear my songs. It is like a forgotten or lost wealth coming back to me.

Now, I do not always sing my own songs correctly. If you ask me to sing a particular song of mine, I will get sometimes three out of a hundred, sometimes zero out of a hundred. Why? Just because I do not sing them, I do not practise them. These songs I sing once or twice or a few times and then for years I don’t sing them, so they are not at home in me; they don’t stay within me. I excuse myself by saying that I do many other important things, but when I was in India, when I was in my teens, I learned hundreds of songs — not just ten or twenty. I sang each song twenty, thirty, forty, fifty, sixty, hundreds of times while walking along the street, while in the playground, while showering — everywhere. I used to practise these songs so much that even now I know them perfectly. Sometimes I show off on bus rides with my disciples. For two hours consecutively, I go on, go on, go on, singing one song after another. Before one song actually finishes I start another song, so I don’t allow anybody else to sing. Believe me, I am not making up the tunes. The tunes are perfect. In India I had two or three very good teachers for two and a half years and I learned these songs very well. But now I do not practise my own songs and I can’t sing one line of most of my songs without the harmonium and the notation. If I try to play on the harmonium without the notation, not even one line will I be able to sing well; all the notes will be wrong.

Sri Chinmoy, Dependence and assurance, Agni Press, 1975